O primeiro grande terramoto da vida de um pai é quando os filhos se transformam em alunos e por causa deles voltamos a sentir o cheiro característico dos manuais e do material escolar. Nesse dia somos promovidos de pais a encarregados de educação e com este novo estatuto inteiramo-nos da realidade da Educação em Portugal. E, acreditem: são poucos os que estão preparados para tamanho embate. Os pais, antes de serem promovidos a encarregados de educação, sabem muito pouco sobre a escola: não sabem aquilo que se ensina, quem ensina, como se ensina, quais são as rotinas, as avaliações, os mecanismos, os objectivos ou a pedagogia da nova escola. E não sabem porque, fundamentalmente, não é sobre isto que se fala quando se fala de Educação.
A Educação em Portugal está focada, está centrada, num assunto: a gestão da carreira dos docentes. Tudo o resto é paisagem. O Ministério da Educação foi durante as últimas décadas o administrador dos professores e o gestor das escolas. Tem sido esse o seu core business. Vencimentos, progressão, avaliação, destacamento, horários, contratados, foram e são os assuntos que dominam o tema. Os problemas corporativos, as reivindicações e os direitos tomaram de assalto assuntos de maior importância como os paradigmas da Educação das nossas crianças, a definição de objectivos concretos, de metas realistas, de métodos duradoiros e de prioridades. Mais vezes se pergunta o que querem os professores, do que se pergunta qual o futuro que queremos para os nossos alunos, para os nossos filhos. Estamos a ensiná-los para quê e o quê? Que país queremos construir através deles? O que queremos passar de Literatura, de História, de Gramática? Para quê a Matemática? Quais as prioridades e as traves mestras da Educação? A verdade é que cada português tem uma ideia sobre a avaliação dos professores ou sobre as quotas, mas são os poucos os que sabem quais são os métodos de avaliação dos alunos em qualquer um dos ciclos.
Não são poucos os exemplos do desnorte em que vacila a Educação em Portugal. Os sinais são públicos e notórios: autores como Luís de Camões, Fernando Pessoa ou Gil Vicente já passam quase incógnitos nas escolas portuguesas e o estudo do argumento dos Morangos com Açúcar vai ocupando os seus lugares (como descreve detalhadamente a professora Maria do Carmo Vieira no seu livro O Ensino do Português), a máquina de calcular é usada indiscriminadamente por alunos de dez anos, infantilizou-se os programas, abandonou-se a exigência, deixou de se reclamar disciplina e abandonaram-se os mecanismos para o exercício da autoridade dos professores. O ensino deteriorou-se com tanto facilitismo e com tão pouca coerência, persistência e exigência.
A importância dada à Educação, aos seus desígnios e aos seus objectivos, é pouca, muito pouca. Os alunos são tratados como coitadinhos e os professores como burocratas alheados dos conteúdos, dos programas, do ensino ou dos objectivos. Aos professores exigem-se metas e aos alunos o mínimo possível. Mas um professor não é mero funcionário do sistema a quem se exige uma obediência cega para executar programas sem pés nem cabeça com objectivos meramente estatísticos. Os professores têm e devem interferir, indignar-se e apresentar caminhos não apenas sobre aspectos da sua carreira, mas sobre a Educação em Portugal. Devem exigir a sua valorização, a valorização do ensino e daquilo que ensinam.
O problema da Educação não foi nem é o dinheiro (gastava-se 1,4% do PIB em Educação em 1974 e 5% em 2010, o problema está no paradigma, está no foco que foi mal direccionado há décadas. A Educação tem de estar centrada nos alunos, no ensino e na preparação dos nossos filhos para a vida. E as escolas não podem aceitar a demissão dos pais ou a desvalorização da arte de ensinar. Nem que para isso o Ministério da Educação tenha de implodir.
(Na Sol desta semana)
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